Comparativo Técnico e Casos de Uso – Apache Iceberg, Delta Lake e Apache Hudi
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No universo de Data Lakes e Lakehouses, três tecnologias destacam-se por oferecerem transações ACID (Atomicity, Consistency, Isolation, Durability), controle de versões e eficiência na gestão de dados: Apache Iceberg, Delta Lake e Apache Hudi. Cada uma surgiu para resolver problemas específicos de processamento de grandes volumes de dados, garantindo confiabilidade e flexibilidade.
Este artigo traz um comparativo técnico, porém acessível a diferentes públicos, comparando essas soluções – suas características, vantagens, desvantagens e casos de uso reais. Começaremos com uma visão geral das tecnologias.
Apache Iceberg
Apache Iceberg é um formato de tabela aberto (open-source) criado originalmente pela Netflix para gerenciar conjuntos de dados analíticos de grande escala. Ele foi projetado para resolver limitações do Hive no armazenamento de dados em tabelas Parquet. O Iceberg introduz um nível de metadados mais robusto, permitindo transações ACID, evolução de esquemas sem interrupção e consulta de dados no tempo (time travel). Sua arquitetura utiliza manifests (arquivos de metadados) que listam arquivos de dados e permitem operações de leitura e escrita eficientes. Iceberg suporta diversos motores de processamento, como Spark, Flink, Trino e Presto, sem exigir lock-in em um fornecedor específico. O Iceberg foca em grandes análises batch com consistência e desempenho.
Vantagens: Iceberg suporta particionamento avançado e evolução de partições, permitindo reorganizar dados sem grandes retrabalhos. Também oferece recursos de segurança como filtragem de linhas e mascaramento de colunas, úteis para controlar acesso a dados sensíveis. Graças ao gerenciamento eficiente de metadados e isolamento de snapshots, é possível desfazer operações ou voltar a versões anteriores dos dados facilmente. Sua independência de engine traz flexibilidade de integração com diferentes ferramentas e arquiteturas de data lake.
Desvantagens: Benchmarkes indicam que, em desempenho bruto, o Iceberg pode ser mais lento em certas consultas padrão quando comparado ao Delta Lake e Hudi. Esse overhead se deve em parte à camada extra de metadados e à abordagem mais genérica do Iceberg. Além disso, a implementação de atualizações (upserts) e deletes em Iceberg, embora possível, não é tão otimizada quanto no Hudi (que foi concebido para isso). Outra consideração é que o Iceberg geralmente requer a configuração de um catálogo de metadados externo (como Hive Metastore ou Nessie) para gerenciar as tabelas, o que adiciona complexidade na implementação inicial.
Delta Lake
Delta Lake é um projeto de código aberto originalmente desenvolvido pela Databricks, que busca trazer transações ACID e qualidade de dados aos data lakes baseados em Apache Spark. Ele funciona como uma camada de armazenamento sobre arquivos Parquet, mantendo um log de transações (arquivo JSON e checkpoints em Parquet) que registra todas as alterações na tabela. Com isso, o Delta Lake permite time travel, recriação de views históricas dos dados, e garante consistência mesmo em cenários de escrita concorrente. Está profundamente integrado ao Spark, o que facilita adoção para quem já utiliza o ecossistema Spark.
Vantagens: Delta Lake oferece desempenho otimizado para workloads Spark e integração nativa com Spark Structured Streaming, unificando processamento batch e streaming. Proporciona gerenciamento eficiente de arquivos, compactando arquivos pequenos automaticamente em arquivos maiores para melhorar a performance de leitura. Possui recursos de enforcement de esquema e validação de qualidade de dados: por exemplo, pode impor campos not null, unicidade e até chaves primárias, evitando dados corrompidos ou fora do padrão. Outro destaque é o Delta Sharing, que permite compartilhamento seguro de dados entre plataformas e organizações de forma aberta. Empresas com forte uso de Spark e Databricks se beneficiam diretamente do Delta Lake, pois ele se integra perfeitamente a pipelines existentes de Machine Learning e BI nesse ambiente.
Desvantagens: Embora open source, muitos dos recursos mais avançados do Delta Lake aparecem no ambiente Databricks proprietário, o que levanta preocupação de lock-in de fornecedor. A versão open source do Delta pode não incluir funcionalidades de performance presentes na plataforma Databricks, então organizações que o adotam frequentemente acabam se comprometendo com o ecossistema Databricks para obter o máximo da tecnologia. Outra limitação é a compatibilidade de ferramentas: fora do Spark, o suporte ao formato Delta pode exigir conectores adicionais. Por exemplo, consultar tabelas Delta via Presto/Trino ou Flink não é tão direto quanto no Iceberg, que já possui integração nativa mais ampla. Portanto, em arquiteturas heterogêneas (com múltiplos engines SQL), o Delta Lake pode oferecer menos flexibilidade que o Iceberg.
Apache Hudi
Apache Hudi (Hadoop Upserts, Deletes and Incrementals) é um projeto criado na Uber em 2016 para possibilitar ingestão de dados incremental com latência baixa em data lakes. O Hudi introduz o conceito de data lake streaming, permitindo aplicar upserts (atualizações de registros já existentes) e deletes diretamente em arquivos no data lake, algo que antes exigia jobs de recompilação de partições inteiras. Para isso, ele organiza os dados em tabelas com dois modos principais de armazenamento: Copy-on-Write (COW), em que cada commit substitui arquivos Parquet inteiros (adequado para cargas batch), e Merge-on-Read (MOR), em que dados recentes ficam em logs delta que são mesclados aos dados colunares sob demanda (ideal para altas taxas de atualização). Hudi também mantém índices internos para localizar registros rapidamente durante upserts, evitando leituras completas de arquivos desnecessariamente.
Vantagens: Apache Hudi foi projetado para eficiência em upserts e ingestão contínua. Ele possibilita ingestão quase em tempo real de dados de streaming, garantindo frescor dos dados para análises e relatórios. Possui controle de versões e viagem no tempo similar aos demais (permitindo consultar dados passados) e também suporta rollback de commits com facilidade. O Hudi inclui serviços embutidos de compactação e limpeza: por exemplo, no modo MOR, ele pode compactar periodicamente os logs de atualizações em arquivos Parquet maiores, equilibrando latência de ingestão e velocidade de leitura. Sua integração flexível com engines é notável – funciona com Spark (onde provê uma API de fonte de dados), com Flink e até com consultas via Hive, expandindo seu uso em diferentes plataformas. Hudi brilha em cenários onde necessidades de atualização frequente e latência baixa são predominantes, como atualização de métricas em dashboards quase em tempo real.
Desvantagens: A potência e flexibilidade do Hudi trazem também complexidade operacional. Configurar corretamente índices, políticas de compactação e limpeza exige conhecimento detalhado para cada caso de uso; caso contrário, pode haver degradação de performance (por exemplo, muitos arquivos pequenos ou arquivos antigos nunca removidos). Em cargas puramente append-only (apêndice de dados imutáveis), o overhead de manter índices e logs de Hudi pode não se justificar – abordagens como Iceberg ou mesmo Delta podem ser mais simples nesse caso. Além disso, a adoção do Hudi fora do ecossistema Spark requer configuração de integrações (por exemplo, usar o Hudi com Presto via Hive Metastore), o que nem sempre é trivial. Em comparação ao Delta Lake, a comunidade Hudi é menor, embora ativa; isso pode significar menos suporte de mercado em alguns cenários (vale notar, porém, que Hudi é um projeto Apache top-level desde 2020, com uso crescente no mercado.
Comparação Técnica
A seguir, comparamos Iceberg, Delta Lake e Hudi em termos de desempenho, compatibilidade, arquitetura e flexibilidade.
Desempenho
Em termos de desempenho de consultas e ingestão, cada tecnologia tem pontos fortes dependendo do padrão de acesso aos dados.
Consultas Analíticas (leitura pesada): Benchmarks padrão (como TPC-DS) indicam que o Delta Lake e o Apache Hudi tendem a ter desempenho similar, enquanto o Apache Iceberg fica um pouco atrás em velocidade de consulta. Isso significa que, para operações de scan de grandes volumes de dados, Delta e Hudi atualmente podem trazer resultados mais rápidos, possivelmente devido a otimizações em suas implementações de leitura. Entretanto, é importante considerar tuning e cenário específico – o Iceberg, por exemplo, armazena metadados que aceleram certas filtragens e pode brilhar em workloads bem particionados.
Atualizações e Upserts: Aqui o Apache Hudi se destaca. Foi concebido para ingerir mudanças de forma incremental, então operações de update/delete tendem a ser mais eficientes no Hudi, graças ao seu índice embutido que localiza registros rapidamente. Por outro lado, o Delta Lake também suporta upserts (via MERGE no Spark), mas internamente pode precisar regravar arquivos Parquet inteiros afetados por essas mudanças. O Iceberg também permite upserts (usando MERGE ou APIs do Spark/Flink), porém não possui índice nativo por padrão – cada alteração normalmente envolve a criação de novos arquivos de dados e atualização de manifests, o que pode ser mais lento se o volume de pequenas alterações for grande.
Latência de Dados Recentes: Para dados recém-chegados, o Hudi (em modo MOR) e o Delta Lake (com Structured Streaming) suportam ingestão contínua. O Hudi consegue materializar dados quase em tempo real através do componente DeltaStreamer ou integração Spark Streaming, atualizando dashboards com poucos minutos de atraso. A Uber, por exemplo, construiu pipelines de métricas de rede global atualizadas continuamente usando Hudi, aproveitando upserts incrementais para reduzir drasticamente a latência de ingestão e processamento. O Delta Lake, quando usado com streams do Spark, também atinge latências baixas — a feature Delta Live Tables no Databricks facilita criar pipelines streaming otimizadas (embora essa seja uma funcionalidade ligada à plataforma Databricks). Já o Iceberg historicamente foi mais voltado a batch, mas evoluiu para também suportar streaming (ex.: integração com Flink para escrita contínua em tabelas Iceberg). Ainda assim, se a exigência é dado fresco em segundos ou poucos minutos, Hudi e Delta são escolhas populares.
Manutenção e Operações: Todos oferecem maneiras de compactar arquivos pequenos e otimizar a disposição dos dados, visando desempenho de longo prazo. O Delta Lake tem comandos como OPTIMIZE (compactação de arquivos) e VACUUM (remoção de logs antigos). O Hudi realiza compactação automaticamente (no MOR) ou sob demanda, e pode eliminar dados orfãos via suas configurações de limpeza. O Iceberg permite operações de expurgo de snapshots antigos e também possui actions de compactação de dados (como rewrite de arquivos via Spark actions), embora essas possam precisar ser agendadas manualmente. Em cenários de altíssima escala, o gerenciamento eficiente dos metadados e arquivos se torna fundamental: Iceberg e Hudi armazenam metadados em estruturas de árvore (metafiles ou timeline) que escalam, enquanto o Delta Lake mantém um log transacional sequencial que, se crescer demais, pode demandar checkpoints para não degradar.
Do ponto de vista de desempenho puro: Delta Lake e Hudi frequentemente levam vantagem em velocidade de consulta e atualização, respectivamente, enquanto Iceberg prioriza consistência e escalabilidade, às vezes a um custo de performance bruta ligeiramente menor. Todavia, a diferença prática dependerá da carga: empresas como Netflix mostram que Iceberg pode lidar com 10+ petabytes diários eficientemente em produção, indicando que ele é capaz de desempenho alto quando bem implementado.
Compatibilidade com Ferramentas
Um fator importante ao escolher uma dessas tecnologias é como ela se encaixa no ecossistema de ferramentas de dados existente.
Apache Iceberg: Tem como princípio ser engine-agnostic. Possui conectores ou suportes nativos em Apache Spark, Apache Flink, Trino, Presto, Hive, Impala, entre outros. Isso significa que uma tabela Iceberg no Data Lake pode ser consultada via SQL (Trino/Presto), manipulada via Spark e atualizada via Flink streaming, tudo consistindo a mesma tabela. Essa ampla compatibilidade atrai empresas com arquitetura heterogênea ou que querem evitar ficar presas a um só fornecedor. Além disso, Iceberg se integra a catálogos como Hive Metastore, AWS Glue Catalog e a projetos como Project Nessie (que provê um catálogo versionado). Essa flexibilidade torna a adoção relativamente fluida em diversos ambientes.
Delta Lake: É altamente otimizado para o Apache Spark. Dentro do Spark (ou Databricks), usar Delta é simples – leitura/escrita de DataFrames, SQL sobre Delta Tables, tudo suportado. O Azure Synapse por exemplo consegue ler Delta Lake pois usa Spark internamente. Também há a biblioteca Delta Standalone (Java) e conectores Rust/Python emergentes que permitem interagir com logs Delta sem Spark, principalmente para leitura. Entretanto, vale notar: a maior parte das empresas utiliza Delta Lake dentro do contexto Spark/Databricks; se seu stack principal não inclui Spark, Delta pode não ser a escolha mais natural.
Apache Hudi: Originalmente também ligado ao Spark (fornece uma source/sink para Spark SQL e Streaming). Hoje, o Hudi expandiu suporte para Apache Flink (escrita de streams para Hudi tables) e tem integração com Presto/Trino através do Hive Metastore (Hudi pode registrar suas tabelas no Hive, permitindo que engines SQL leiam os arquivos Parquet). Contudo, o nível de funcionalidade acessível pode variar – por exemplo, consultas via Presto numa tabela Hudi Merge-on-Read podem ler dados compactados mas talvez ignorem deltas não compactados até um commit concluir. Em geral, o Hudi funciona melhor em ambientes Spark ou Flink, onde pode plenamente gerenciar upserts e compactions. Ferramentas de ingestão como Apache NiFi ou Stream ingestion frameworks podem integrar-se ao Hudi indiretamente, mas normalmente passando por Spark/Flink jobs. Em termos de BI, se as tabelas Hudi estiverem expostas via Hive Metastore, ferramentas como Tableau ou Power BI (via connectors Hive/Presto) podem consumi-las como datasets Parquet.
Integração no ecossistema: Se a sua empresa preza por diversidade de ferramentas e engines, o Apache Iceberg tende a oferecer a compatibilidade mais direta (é suportado até em serviços gerenciados de vários fornecedores). O Delta Lake, embora open source, atinge seu máximo potencial dentro do ecossistema Databricks/Spark, então combina bem com empresas já que já investiram nessa stack (por exemplo, equipes de Ciência de Dados que usem notebooks Spark, etc.). O Apache Hudi é um meio termo: está bem integrado com frameworks de processamento distribuído, mas menos presente em ferramentas SQL puras ou plataformas de BI prontas. Em qualquer caso, todas as três tecnologias são open source e em evolução, e o suporte a engines só cresce com o tempo – por exemplo, recentemente tanto Hudi quanto Delta adicionaram melhor integração com Flink, o que já era ponto forte do Iceberg.
Arquitetura e Mecanismo Interno
Cada solução adota uma arquitetura distinta para garantir ACID e gerenciamento de dados no Data Lake.
Apache Iceberg: Adota uma arquitetura baseada em manifests e snapshots. Cada tabela Iceberg possui manifest files (arquivos que listam um conjunto de arquivos de dados Parquet/ORC) e manifest lists (lista os manifests de um dado snapshot). Quando dados são inseridos ou deletados, novos arquivos de dados são gravados e novos manifests gerados, em vez de alterar arquivos existentes. Isso garante que operações sejam isoladas – um snapshot representa uma visão imutável da tabela, e novos snapshots são criados para cada commit. Essa abordagem facilita time travel e rollback simplesmente referenciando um snapshot anterior. Iceberg também implementa escrita em paralelo com controle otimista de concorrência: múltiplos writers podem escrever e, no commit, se detectarem conflito (alteração no mesmo snapshot base), um deles é abortado. A manutenção dos metadados (manifests) é escalável e pode ser armazenada em diversos backends (S3, HDFS, etc.). Essa arquitetura torna leituras de alta performance possíveis, pois um mecanismo de query pode ler apenas os manifests para descobrir quais arquivos de dados precisam ser lidos (podendo aplicar pruning por partição ou até por estatísticas de colunas). Por outro lado, por não ter um índice de valores (por exemplo, por chave primária), Iceberg brilha mais em leituras completas ou com filtros de colunas/partições, do que em atualizações frequentes de registros individuais.
Delta Lake: O coração da arquitetura Delta é o transaction log. Toda tabela Delta tem um diretório _delta_log onde cada operação (batch de inserção, deleção, etc.) gera um arquivo JSON descrevendo adições e remoções de arquivos de dados, e periodicamente um checkpoint em Parquet com o estado consolidado. Diferente do Iceberg, o Delta não usa manifests separados – o próprio log é lido para saber qual conjunto de arquivos compõe a tabela em dado momento. Assim, um snapshot da tabela Delta é definido pelo conjunto de operações até um certo ponto no log. Essa abordagem de log sequencial é simples e confiável, mas pode implicar em leituras um pouco mais lentas do log conforme o número de transações cresce (daí a necessidade de checkpoints regulares). Para gerenciar concorrência, o Delta também utiliza controle otimista: se dois jobs tentam atualizar a mesma parte dos dados, o segundo a tentar fazer commit detectará conflitos no log e falhará, cabendo re-tentativa. A arquitetura do Delta também facilita recursos como Change Data Feed (CDF) – ele pode armazenar no log quais linhas foram inseridas/alteradas, permitindo que consumidores obtenham apenas diferenças. Essa arquitetura é altamente integrada ao Spark: operações Delta são atomicamente aplicadas usando transações no driver Spark. Por isso, o desempenho e escalabilidade do Delta Lake estão muito ligados à eficiência do Spark e à medida que o Spark melhora, o Delta se beneficia. Em ambientes Databricks, otimizações adicionais (como engine Photon, cache agressivo de metadata em memória) fazem a arquitetura Delta atingir excelente performance. Porém, fora desse contexto, a ausência de funcionalidades proprietárias do Databricks deixa o Delta Lake open source mais básico, o que reforça a questão do lock-in se quiser tirar máximo proveito.
Apache Hudi: A arquitetura do Hudi gira em torno de um timeline de commits e gerenciamento de arquivos base vs. delta (no caso de MOR). Ao escrever dados, o Hudi determina, com base em uma chave de registro (por exemplo ID), aonde aquele registro pertence. Se for Copy-on-Write, ele regrava o arquivo Parquet alvo com os novos dados atualizados; se for Merge-on-Read, ele grava as mudanças em um arquivo de log “delta” (sequencial, como avro) ao lado do arquivo base Parquet imutável. Cada operação (commit, compaction, clean) é registrada em uma timeline (sequência de instantâneos com metadata de operação). O Hudi mantém um índice que mapeia chave de registro -> arquivo (no caso COW) ou arquivo/log (no caso MOR), o que permite localizar e atualizar/deletar registros rapidamente sem varrer todos os dados. Esse índice pode ser mantido em memória ou em estruturas como Bloom filters nos arquivos, ou até em um index externo (Hudi suporta plugar diferentes implementações, incluindo indexação em storage como HBase). A consequência é que a escrita/upsert no Hudi é um pouco mais complexa (e pesada) que um mero append, mas entrega latência menor para disponibilizar dados atualizados. A compaction no MOR ocorre de tempos em tempos para mesclar logs com arquivos base, tornando leituras futuras mais rápidas – isso pode rodar assincronamente em paralelo às ingestões. Em termos de consumo de dados, Hudi expõe visões “read-optimized” (que só consideram dados compactados) e “near-real-time” (que incluem os deltas não compactados), dando opção para consumidores priorizarem frescor ou velocidade. Essa arquitetura equilibra considerações de banco de dados (índices, upserts) com Data Lakes (arquivos colunares, scans paralelos). O desafio está em ajustar esses mecanismos ao caso de uso: por exemplo, definir intervalos de compactação ou escolher COW vs MOR para cada conjunto de tabelas. Quando bem sintonizado, o Hudi oferece atualizações incrementais sem reprocessamento de grandes volumes, algo evidenciado pelo Uber, que com Hudi atingiu 100% de completude e acurácia dos dados sem precisar refazer cargas de meses de partições.
Flexibilidade e Adaptabilidade
Esquema e Evolução de Dados: As três tecnologias suportam evolução de esquema (adicionar colunas, renomear, etc.) sem interromper o funcionamento. Contudo, o Iceberg se destaca por permitir evoluir até particionamento dos dados de forma transparente – você pode alterar a chave de partição de uma tabela Iceberg e ele recalcula internamente sem precisar recriar a tabela, graças ao conceito de partition evolution, recurso exclusivo do Iceberg. O Delta Lake permite alterações de esquema controladas (por exemplo, adicionar colunas é simples; remover colunas ou mudar tipo pode exigir recriação de tabela, similar a outros sistemas). O Delta também possui schema enforcement: rejeita gravações que não estejam de acordo com o esquema esperado, evitando “surpresas” de tipos inesperados. O Hudi suporta evolução de esquema e, tal como Iceberg/Delta, mantém versões antigas para que um job antigo não quebre imediatamente após uma mudança. Todos portanto fornecem flexibilidade para o schema acompanhar as necessidades do negócio, embora no Iceberg isso ocorra de modo mais automatizado e sem exigir intervenções manuais para reordenar partições.
Casos de uso Batch vs Streaming: Aqui, Hudi e Delta oferecem flexibilidade para trabalhar tanto em modo lote quanto contínuo. O Hudi foi pensado para juntar mundos de streaming e batch no mesmo Data Lake; já o Delta Lake, com o conceito de Unified Batch & Streaming do Spark, também atinge isso (por exemplo, você pode ter um fluxo Structured Streaming escrevendo em uma tabela Delta enquanto outro batch job lê dela). O Iceberg, embora focado em batch, já é utilizado em cenários de micro-batch e streaming via Flink, mas não tem tantos recursos nativos de gerenciamento de streaming (por exemplo, não há equivalente direto ao Delta Live Tables ou ao Hudi DeltaStreamer dentro do projeto Iceberg – confia-se mais nos frameworks externos para fazê-lo). Portanto, se sua carga de trabalho envolve misto de dados em tempo real e análises históricas, Hudi e Delta tendem a proporcionar uma experiência mais integrada. Já para workloads puramente batch periódicos, o Iceberg fornece simplicidade e confiabilidade.
Adaptação ao Ecossistema Existente: A flexibilidade também aparece na capacidade de encaixar a solução sem grandes reestruturações. O Delta Lake é ótimo para equipes que já usam Spark: praticamente nenhuma curva de aprendizado se já se conhece DataFrames/Datasets do Spark. O Iceberg pode exigir a instalação/configuração de um catalog e aprender algumas novas operações (por exemplo, INSERT INTO funciona normalmente, mas comandos de manutenção do Iceberg variam conforme engine – Spark tem EXTEND TABLE, FLUSH, etc., Dremio tem UI própria, etc.). O Hudi possui APIs próprias no Spark (chamadas DataSource Hudi) e alguns conjuntos de opções específicas para controle de operação (por exemplo, hoodie.upsert.shuffle.parallelism e similares para tuning). Em outras palavras, Delta é plug-and-play no Spark, Hudi é um Spark com “dialeto” próprio para certas operações e Iceberg é mais padrão SQL (a maioria das interações pode ser via SQL ANSI simples, dado que a lógica complexa fica na implementação interna).
Comunidade e Evolução: Vale citar que flexibilidade de uma tecnologia também deriva de quão ativa e diversa é sua comunidade de desenvolvimento. Apache Hudi e Apache Iceberg têm comunidades Apache robustas e diversidade de contribuidores (Uber, AWS, Tencent, Netflix, Apple, etc. contribuem). O Delta Lake, após abrir código e entrar para a Linux Foundation, também ganhou mais contribuidores externos (Uber, Walmart e outros usam e contribuem), mas ainda é em grande parte impulsionado pela Databricks. Em termos de frequência de releases e novas features, os três são bem ativos. Hudi e Iceberg frequentemente trocam ideias e até se influenciam (ex: Iceberg agora considera índices, Hudi incorporou catalogues, etc.). Essa competição saudável beneficia a flexibilidade futura: espera-se ver, por exemplo, melhorias de performance no Iceberg para equipará-lo aos outros, e mais suporte multi-engine no Delta para torná-lo menos dependente de Spark.
Casos de Uso Reais e Cenários de Negócio
Como cada tecnologia tem pontos fortes distintos, elas acabam sendo adotadas em diferentes cenários de negócios. Abaixo exploramos alguns casos reais e que tipos de empresas tendem a se beneficiar mais de cada solução.
Apache Iceberg – Analytics Pesado e Múltiplos Engines
Empresas focadas em análises em larga escala e que valorizam arquitetura aberta optam pelo Iceberg. Um exemplo notável é a Netflix, que utiliza Apache Iceberg para gerenciar mais de 10 petabytes de dados analíticos diariamente. A Netflix migrou cerca de 1,5 milhão de tabelas Hive para o formato Iceberg, buscando melhorar desempenho e facilidade de manutenção. Em cenários como o da Netflix – onde há muita leitura de dados, eventuais evoluções de esquema e necessidade de interoperabilidade (Cientistas de Dados usando Spark, Analistas de Dados usando Presto, etc.) – o Iceberg provê uma base sólida e neutra.
Outras empresas, como a Adobe e LinkedIn, também incorporaram o Iceberg em seus Data Lakes, unificando dados históricos e atuais em formatos confiáveis. Por exemplo, a Adobe utiliza Iceberg para armazenar dados de telemetria e logs de aplicações, que então são consumidos tanto para treinamento de modelos de Machine Learning (ML) quanto para dashboards de produto. A flexibilidade do Iceberg permite que diferentes equipes acessem os mesmos dados com ferramentas diversas, sem que os Engenheiros de Dados precisem manter múltiplas pipelines para formatos distintos.
Empresas de tecnologia financeira (fintechs) ou de telecomunicações que lidam com datasets massivos e precisam garantir consistência também olham para Iceberg. A Tencent Gaming, por exemplo, adotou Iceberg para unificar workloads de dados de jogos, reduzindo custos de armazenamento através de melhor compressão e eliminação de pré-agregações redundantes. Assim, casos de uso ideais para Iceberg incluem: Data Warehouses abertos (reimplementação de um armazém de dados tradicional em cima de Data Lake), plataformas de BI self-service onde diferentes motores SQL precisam acessar os mesmos dados e qualquer aplicação analytics de petabytes que requer governança de dados (com auditabilidade via snapshots/time travel).
Delta Lake – Lakehouse em Plataformas Unificadas (especialmente com Spark/Databricks)
O Delta Lake brilha em empresas que adotaram o conceito de Lakehouse proposto pela Databricks: um único local para dados semi-estruturados e estruturados, suportando análise com Linguagem SQL, Ciência de Dados e ML juntos. Organizações com forte cultura de dados unificados e AI frequentemente estão na esfera do Databricks e, consequentemente, do Delta Lake.
Um exemplo é a Conde Nast, conglomerado de mídia, que utiliza o Delta Lake principalmente para resolver problemas de compliance de dados. Eles aproveitam o Change Data Feed (CDF) do Delta para rastrear modificações nos dados e assim garantir conformidade com GDPR (ex.: direito de ser esquecido), capturando em tempo real todas as alterações feitas nos datasets. Esse recurso facilita remover ou auditar dados pessoais em pipelines de forma eficiente.
Outro caso é a T-Mobile, que migrou seu Data Warehouse e Data Lake tradicionais para uma arquitetura Lakehouse baseada em Delta Lake. A equipe de Ciência de Dados da T-Mobile relatou melhorias significativas ao consolidar dados antes dispersos em um repositório central Delta, acelerando geração de relatórios de 12 horas para minutos e permitindo self-service BI em dados quase em tempo real. Isso ilustra como empresas de grande porte com legados diversos usam Delta Lake para modernizar sua plataforma de dados, aproveitando a facilidade de ingestão de diferentes fontes e a confiabilidade ACID para unificar tudo.
No setor financeiro, o Capital One é citado por adotar uma abordagem híbrida, usando formatos de tabela abertos como Delta Lake e Iceberg juntos, para oferecer um layer de dados de autoatendimento aos produtores e consumidores internos. Isso sugere que mesmo empresas fortemente reguladas confiam no Delta Lake para armazenar dados críticos com governança (usando recursos de catálogo como Unity Catalog para controlar acesso), ao mesmo tempo mantendo opção de Iceberg para interoperabilidade.
E não só empresas tech: indústrias tradicionais também colhem frutos do Delta. A Honeywell (automação industrial) utiliza Delta Live Tables e Unity Catalog para streaming de dados IoT e governança centralizada. A Unilever e a Bayer adotaram Delta Lake em seus Lakehouses para acelerar análise de dados de vendas e pesquisas clínicas, respectivamente, garantindo qualidade e auditabilidade.
Assim, Delta Lake tende a beneficiar: organizações que já estão na ecosistema Spark/Databricks, equipes de engenharia de dados e ML que queiram eliminar barreiras entre dados batch e streaming, e casos onde governança central e qualidade de dados são tão importantes quanto desempenho (Delta oferece muitas ferramentas pra isso). Em ambientes multi-cloud ou on-premises, o Delta Lake também pode ser usado (ele é open source), mas é inegável que seu valor máximo aparece quando combinado à suíte Databricks ou soluções similares.
Apache Hudi – Dados Frescos e Pipelines de Ingestão Contínua
Apache Hudi encontra seu ponto ideal em empresas que necessitam de dados atualizados quase em tempo real alimentando diversos sistemas analíticos. Originalmente criado na Uber, não surpreende que um dos principais usuários seja a própria Uber. O Data Lake transacional da Uber é fundamentado no Hudi, permitindo que dados de viagens, usuários e outras atividades do aplicativo sejam propagados rapidamente para tabelas analíticas. Isso suporta casos como cálculos de tarifação dinâmica, detecção de fraudes e previsões de tempo de chegada (ETA) quase instantaneamente a partir dos dados mais recentes. Por exemplo, a cada minuto, eventos de corridas e movimentações são upsertados (inseridos/atualizados) em tabelas Hudi, que alimentam modelos de ML de estimativa de chegada, melhorando a precisão com dados frescos.
Outro setor que abraçou o Hudi é o e-commerce/retail. Imagine um grande site de comércio eletrônico que precisa atualizar o estoque de produtos e preços em tempo real conforme transações ocorrem ou uma rede de supermercados que quer consolidar dados de vendas de centenas de lojas a cada hora para ajustar inventário. O Hudi, com suas capacidades de upsert, é adequado para manter uma tabela de “verdade” atualizada nessas situações. Varejistas também usam Hudi para unificar feeds de streaming (por exemplo, eventos de cliques no site, interações de usuários) com dados históricos, possibilitando análises de comportamento quase em tempo real.
No setor financeiro, bancos e fintechs com requisitos de reconciliação de dados de diferentes sistemas encontraram no Hudi uma solução para aplicar incrementos e correções em Data Lakes sem recriar conjuntos inteiros. Por exemplo, se uma transação for ajustada ou cancelada, um registro de atualização pode ser aplicado via Hudi para refletir a mudança na tabela de fatos de transações, mantendo o histórico com versionamento. Isso agiliza a detecção de discrepâncias e relatórios regulatórios que exigem dados atualizados até o último minuto.
Empresas de IoT e telemetria também aproveitam Hudi. Imagine uma plataforma de casas conectadas ou veículos autônomos coletando milhões de eventos por minuto; usar uma tabela Hudi permite que esses eventos sejam adicionados continuamente e ao mesmo tempo consolidados em visões limpas (após compactação) para análise histórica. De fato, a Uber apresentou casos de uso de Hudi para monitoramento de rede global, onde métricas de desempenho de milhares de servidores e dispositivos eram agregadas em tempo quase real usando pipelines Spark + Hudi.
Resumindo os casos para Hudi: empresas que precisam de baixo tempo de atualização dos dados, como mobilidade urbana (Uber, Lyft), telecomunicações (monitoramento de redes), IoT (sensores, carros conectados), finanças (fraude, risco em tempo real) e varejo (inventário e comportamento do cliente atualizados constantemente) tendem a ganhar mais com Hudi. Essas organizações tipicamente têm pipelines de ingestão contínua e desejam evitar a latência e custo de reprocessar dados em batch completo a todo momento. Com Hudi, podem fazer ingestão incremental e somente eventuais compactações, escalando melhor no longo prazo.
Conclusão
Neste artigo, vimos que cada tecnologia tem sua personalidade:
O Apache Iceberg destaca-se em grandes análises batch e ambientes abertos com múltiplas ferramentas, oferecendo robustez em schema evolution, leitura eficiente e independência de fornecedor. É uma escolha sólida para consolidar Data Warehouses em Data Lakes modernos, como demonstrado por Netflix, Adobe e outras empresas de grande porte.
O Delta Lake sobressai em cenários integrados de ciência de dados e engenharia de dados, especialmente dentro do ecossistema Spark/Databricks. Com forte ênfase em qualidade de dados (esquema estrito, constraints) e facilidade de uso, ele tem impulsionado implantações de Lakehouse em empresas como T-Mobile, Conde Nast e Capital One. Seus recursos de streaming e integração com ferramentas de IA o fazem ideal para quem já está embarcado na plataforma unificada de dados.
O Apache Hudi brilha onde a latência e a atualização contínua de dados são críticas. Fornecendo ingestão incremental, upserts rápidos e eficiência em híbridos streaming + batch, conquistou espaço em empresas orientadas a dados em tempo real, como Uber e varejistas online. É a peça-chave para construir pipelines de dados em tempo quase real em escala de Big Data, algo antes impossível nos Data Lakes.
Não há um “vencedor” universal – a melhor solução depende dos requisitos específicos. Alguns podem até combinar tecnologias: usar Iceberg para camadas de dados históricos e Hudi ou Delta para dados recentes, por exemplo. O importante é entender as vantagens e limitações de cada abordagem. Esperamos que esta comparação tenha esclarecido esses pontos, fornecendo uma base para que profissionais de tecnologia avaliem qual desses frameworks se alinha melhor aos desafios e objetivos de seus projetos de dados.
Em última análise, a adoção de qualquer uma dessas tecnologias deve vir acompanhada de planejamento, testes e investimento em capacitação da equipe. Com a escolha adequada, um Data Lake pode se transformar verdadeiramente em um Lakehouse confiável, flexível e de alto desempenho, capacitando sua empresa a extrair valor máximo dos dados. Boa exploração dos dados!
E se precisar de ajuda na capacitação alinhando teoria e prática na medida certa, recomendamos a Formação Engenheiro de Dados.
Equipe DSA
Referências:
Apache Iceberg: The Definitive Guide