Desde o início da era da Inteligência Artificial Generativa, assistimos a uma “corrida do ouro” em torno da Engenharia de Prompt. Manchetes anunciavam salários de seis dígitos para profissionais com a habilidade de “falar fluentemente a língua dos LLMs”. Essa disciplina foi, sem dúvida, o primeiro passo que nos permitiu começar a moldar o comportamento dos Modelos de Linguagem de Grande Escala (LLMs) de acordo com nossa vontade. E a Engenharia de Prompt ainda é o padrão atual em aplicações de IA com LLMs.

No entanto, à medida que as aplicações de IA evoluíram de demonstrações simples para sistemas complexos e de nível de produção, as limitações de uma abordagem focada apenas no prompt tornaram-se o novo gargalo. Hoje, a maioria das falhas em Agentes de IA avançados não são falhas do modelo em si, mas sim falhas de contexto.

É aqui que surge a Engenharia de Contexto (Context Engineering), não como uma substituta, mas como uma evolução necessária, uma disciplina de nível superior. Ela pode ser definida como “a disciplina de projetar e construir sistemas dinâmicos que fornecem a informação e as ferramentas certas, no formato certo, no momento certo” ou, de forma mais sucinta, a arte de “preencher a janela de contexto com a informação exata necessária para o próximo passo”.

A Engenharia de Contexto representa uma prática arquitetônica fundamental para a construção de sistemas de IA confiáveis, escaláveis e verdadeiramente inteligentes. Ela marca uma mudança de foco da elaboração de prompts inteligentes para a construção de sistemas dinâmicos e inteligentes.

Essa transição espelha a evolução histórica no desenvolvimento de software, que passou do “código” artesanal para a “engenharia de software” sistemática. É uma passagem de uma habilidade artesanal focada em um único artefato (o prompt) para uma disciplina arquitetônica que considera todo o ciclo de vida do sistema (a carga de informações e sua gestão). Assim como a engenharia de software trouxe rigor, testabilidade e pensamento sistêmico para o desenvolvimento de software, a Engenharia de Contexto está formalizando a maneira como construímos sistemas de IA com LLMs, movendo a área da fase experimental para uma prática de engenharia formal.

Este guia vai ajudar você a compreender o conceito e a implementação. Verifique também as referências fornecidas ao final do post.

Boa leitura.

Desconstruindo a Engenharia de Contexto: Uma Visão Sistêmica da Interação com a IA

A Engenharia de Contexto (Context Engineering) é a prática de projetar sistemas que decidem quais informações um modelo de IA vê antes de gerar uma resposta. É a arte e a ciência de projetar, organizar e gerenciar todo o ecossistema de informações que envolve um LLM no momento da inferência. Essa abordagem é inerentemente sistêmica, focando na carga completa de informações, e não apenas na consulta imediata do usuário. O objetivo final é fornecer ao modelo tudo o que ele precisa para resolver uma tarefa de forma plausível.

context

O “contexto” é a totalidade da entrada fornecida ao modelo. Longe de ser um bloco monolítico de texto, ele é uma estrutura cuidadosamente orquestrada, composta por várias partes que trabalham em conjunto. Vejamos cada elemento.

Instruções de Sistema / Prompt de Sistema: O conjunto fundamental de regras e a definição da persona do modelo. Essas instruções estabelecem o cenário, definem o comportamento e podem incluir regras e exemplos para guiar o LLM.

Prompt do Usuário: A tarefa ou pergunta imediata e específica do usuário. Este é o componente no qual a Engenharia de Prompt tradicionalmente se concentra.

Histórico da Conversa (Memória de Curto Prazo): O registro com estado da interação atual, incluindo as entradas do usuário e as respostas do modelo. É fundamental para perguntas de acompanhamento e para manter a coerência.

Informações Recuperadas (RAG): Conhecimento externo dinamicamente buscado de documentos, bancos de dados ou bases de conhecimento. Esta é a pedra angular para fornecer informações atualizadas, factuais e específicas de um domínio.

Memória de Longo Prazo: Um armazenamento de conhecimento persistente que abrange múltiplas sessões, capturando preferências do usuário, resumos de projetos passados ou fatos importantes que devem ser lembrados indefinidamente.

Ferramentas Disponíveis e Respostas de API: As definições de funções ou ferramentas externas que o modelo pode invocar (por exemplo, verificar_inventario, enviar_email) e os resultados dessas chamadas, que são então reinseridos no contexto para a próxima etapa de raciocínio.

Esquemas de Saída Estruturada: Definições do formato de saída desejado (por exemplo, JSON, XML), que guiam o modelo para produzir respostas previsíveis e legíveis por máquina.

A combinação desses componentes faz mais do que simplesmente informar o modelo; ela cria um “ambiente sintético” ou uma “personificação por procuração” para o LLM. O modelo não apenas recebe dados, ele percebe um mundo construído para ele. Mecanismos de recuperação atuam como seus “sentidos”, o uso de ferramentas como suas “mãos” e a memória como sua “consciência”. Essa perspectiva redefine o trabalho do Engenheiro de IA, que passa de um “criador de prompts” para um “construtor de mundos” para a IA. Isso tem implicações profundas em como projetamos e depuramos esses sistemas, pois a depuração não se limita ao código, mas se estende à “percepção” que a IA tem do seu mundo.

Engenharia de Contexto vs. Engenharia de Prompt

A diferença fundamental entre as duas disciplinas pode ser resumida da seguinte forma: a Engenharia de Prompt foca em o que dizer ao modelo em um determinado momento, enquanto a Engenharia de Contexto foca em o que o modelo sabe quando você diz algo a ele. Uma analogia útil é que a Engenharia de Prompt é como escrever uma carta perfeitamente redigida. A Engenharia de Contexto, por outro lado, é como administrar toda a casa, gerenciando agendas, orçamentos e humores, para que a carta possa ser compreendida e posta em prática.

É importante entender que a Engenharia de Prompt é um subconjunto da Engenharia de Contexto. Ela é o que se faz dentro da janela de contexto, enquanto a Engenharia de Contexto decide o que preenche essa janela em primeiro lugar.

Para esclarecer as distinções veja a tabela abaixo:

tabela

Embora um prompt inteligente possa criar uma ótima demonstração, ele é insuficiente para sistemas de produção que necessitam de previsibilidade e devem lidar com o “caos” do mundo real. Sistemas de produção exigem fundamentação em conhecimento externo, proprietário e atualizado, algo impossível de alcançar apenas com um prompt estático. A Engenharia de Contexto é como construímos para obter confiabilidade e consistência, que são inegociáveis em aplicações empresariais.

A Engenharia de Prompt pode lhe dar a primeira boa resposta; a Engenharia de Contexto lhe dá a milésima.

Vantagens de Uma Abordagem Focada no Contexto

Precisão e Fundamentação Factual

O principal benefício da Engenharia de Contexto é a redução de alucinações e a melhoria da precisão factual. Ao fornecer ao modelo informações relevantes e verificáveis (por exemplo, via RAG), é menos provável que ele gere detalhes fabricados. Isso aborda diretamente o “problema do conhecimento estático” dos LLMs, cujo conhecimento está congelado no tempo de seu treinamento e carece de informações específicas de domínio ou recentes.

Construindo Para Escala e Consistência

A Engenharia de Contexto é fundamental para a construção de sistemas de IA robustos e de nível empresarial que podem escalar em complexidade. Ao estruturar o contexto, garante-se resultados, tom e comportamento consistentes, o que é crítico para aplicações como suporte ao cliente, onde a voz da marca é importante. Isso transforma a IA de algo incerto para algo previsível.

Habilitando Personalização Verdadeira e Fluxos de Trabalho Complexos

É aqui que o poder da memória e do estado se manifesta. A Engenharia de Contexto permite que a IA se lembre do histórico do usuário, de suas preferências e do estado de uma tarefa de múltiplos passos. Isso transforma a experiência do usuário de uma série de transações sem estado para uma conversa coerente e contínua com um assistente que “se lembra de você”. É a chave para desbloquear fluxos de trabalho agênticos complexos e de longa duração que envolvem múltiplos passos e o uso de ferramentas.

Eficiência Econômica e Operacional

Embora complexa, a Engenharia de Contexto pode ser mais econômica do que o constante ajuste fino (fine-tuning) ou retreinamento de modelos. Muitas vezes, é mais rápido e flexível projetar os dados de entrada do que alterar o próprio modelo. Para as empresas, isso se traduz em uma implantação mais rápida de novas capacidades e em um tempo de treinamento reduzido para a equipe humana que é aumentada pela IA ciente do contexto.

A capacidade de projetar contexto de forma eficaz em torno de dados proprietários está se tornando uma vantagem competitiva significativa. O valor está se deslocando de ter um LLM genérico para ter um sistema que pode aplicar esse LLM de forma especializada a uma base de conhecimento interna e única. Como os LLMs básicos estão se tornando commodities, a vantagem duradoura não reside no modelo de IA em si, mas no sistema sofisticado construído ao seu redor para curar e injetar contexto proprietário. Esse sistema, os pipelines de RAG, os armazenamentos de memória, as integrações de ferramentas, torna-se o diferencial competitivo da empresa em IA.

O Manual de Implementação: Técnicas e Estratégias Essenciais

Geração Aumentada por Recuperação (RAG): A Pedra Angular do Contexto Dinâmico

RAG é a técnica fundamental para injetar conhecimento externo e atualizado na janela de contexto. Foi uma das primeiras técnicas que verdadeiramente exemplificou a engenharia de contexto. O fluxo de trabalho padrão da RAG envolve:

consulta do usuário → incorporação (embedding) → busca em um banco de dados vetorial → recuperação de trechos (chunks) → injeção no prompt.

Arquiteturas de RAG mais avançadas, como RAG modular, agêntica e aprimorada por grafos, podem raciocinar sobre relações estruturadas em dados, e não apenas sobre texto não estruturado.

Sistemas de Memória: Dando à IA um Passado e um Futuro

A memória desempenha um papel crítico na habilitação de conversas com estado e de múltiplos turnos.

  • Memória de Curto Prazo: Gerencia o histórico da conversa imediata dentro da janela de contexto. Isso envolve técnicas como sumarização ou truncamento para evitar exceder os limites de tokens.
  • Memória de Longo Prazo: Implementa um armazenamento persistente (por exemplo, em um banco de dados vetorial) para guardar fatos-chave, preferências do usuário ou resumos de interações passadas que podem ser recuperados em sessões futuras.

Fluxos de Trabalho Agênticos e Integração de Ferramentas

Fornecer a um LLM “ferramentas” (funções que ele pode chamar) é uma parte central da engenharia de contexto. O ciclo agêntico funciona da seguinte forma: o modelo recebe uma tarefa, seleciona uma ferramenta de seu contexto, a executa, recebe uma observação (a saída da ferramenta) e anexa tanto a ação quanto a observação de volta ao contexto para informar o próximo passo. É vital compartilhar o contexto entre fluxos de trabalho de múltiplos agentes ou de múltiplos passos para evitar desalinhamento.

Gerenciando o Calcanhar de Aquiles: Otimização da Janela de Contexto

A restrição fundamental é que os LLMs têm uma janela de contexto finita. O principal desafio de engenharia é encaixar a informação “certa” nesse espaço limitado. Entre as principais técnicas nós temos:

  • Divisão e Sumarização (Chunking & Summarization): Dividir documentos grandes em trechos menores e relevantes ou resumi-los antes da injeção.
  • Compressão e Compactação: Técnicas para tornar o contexto mais denso em informações, reduzindo a contagem de tokens sem perder o significado. Isso pode envolver o uso de linguagem mais concisa ou formatos estruturados.
  • Ordenação e Priorização: A posição da informação na janela de contexto importa. Os modelos podem sofrer com problemas de “perda no meio”. Estratégias envolvem colocar as informações mais críticas no início ou no final do contexto.
  • Otimização de Cache KV: Um ponto altamente técnico, mas essencial para o desempenho. Manter o prefixo do prompt estável e tornar o contexto apenas de acréscimo (append-only) pode melhorar drasticamente a velocidade de inferência e reduzir os custos ao aproveitar o cache KV (KV-cache).

Navegando Pelos Obstáculos Inevitáveis: Desafios e Limitações

A Restrição Tripla: Custo, Latência e Complexidade

O Desafio: Existe uma troca inerente. Um contexto mais rico e detalhado leva a respostas melhores, mas aumenta a contagem de tokens, o que eleva tanto os custos de API quanto a latência de inferência. Os próprios sistemas também são mais complexos de projetar, construir e manter.

Mitigação: Este é o principal problema de engenharia a ser resolvido. As estratégias incluem cache agressivo (especialmente cache KV), compressão de contexto e engenharia de fluxo de trabalho inteligente para dividir tarefas em etapas menores, cada uma com um contexto otimizado.

O Problema do “Lixo Entra, Lixo Sai”: A Qualidade do Contexto é Soberana

O Desafio: A saída do modelo é tão boa quanto o contexto que lhe é fornecido. Informações de baixa qualidade, irrelevantes ou contraditórias podem levar a envenenamento de contexto, distração ou confusão, degradando o desempenho.

Mitigação: Isso enfatiza a importância das etapas de “recuperação” e “seleção”. Estratégias de recuperação sofisticadas, modelos de reclassificação e filtragem de ruído são críticos para garantir que apenas informações de alta qualidade e relevantes entrem na janela de contexto.

Segurança e Governança: Uma Superfície de Ataque Expandida

O Desafio: A Engenharia de Contexto introduz novas vulnerabilidades de segurança. Dados maliciosos podem ser injetados no contexto não apenas através do prompt do usuário, mas também por meio de documentos recuperados ou ferramentas de API comprometidas. Esta é uma superfície de ataque muito maior e mais difícil de controlar.

Mitigação: Requer uma abordagem de “firewall de contexto”. Isso inclui a higienização de entradas de todas as fontes, a implementação de controles de acesso rigorosos sobre dados e ferramentas, o uso de técnicas de anonimização para dados sensíveis e a validação de saídas.

Uma lacuna crítica de pesquisa revela que, mesmo com a Engenharia de Contexto avançada, existe uma assimetria fundamental: estamos nos tornando muito bons em construir sistemas que permitem aos LLMs entender contextos altamente complexos e longos, mas os próprios modelos ainda lutam para gerar saídas igualmente sofisticadas e longas. Isso implica que simplesmente fornecer mais contexto não é uma solução mágica. As capacidades generativas dos modelos principais precisam evoluir em paralelo com nossa capacidade de projetar seu contexto. O futuro do campo não se resume apenas a melhores pipelines de contexto, mas também ao desenvolvimento de arquiteturas de modelo de próxima geração que sejam melhores na síntese e articulação de informações complexas em saídas longas.

Conclusão: O Futuro é Contextualizado

A Engenharia de Contexto representa a mudança de paradigma da elaboração de instruções isoladas para a arquitetura de sistemas inteligentes. É a chave para desbloquear uma IA confiável, escalável e personalizada, tratando toda a carga de informações como o objeto de design. Ela potencializa, em vez de substituir, a Engenharia de Prompt.

As habilidades de IA mais valiosas não são mais sobre frases secretas, mas sobre a compreensão da arquitetura da informação, estratégia de dados e design de sistemas. 

Olhando para o futuro, a próxima fronteira da Engenharia de Contexto incluirá:

Montagem Inteligente de Contexto: O processo de montagem de contexto se tornará automatizado, com modelos de IA aprendendo a selecionar, recuperar e formatar seu próprio contexto para uma determinada tarefa.

Raciocínio e Planejamento Avançados: Projetar contexto para suportar raciocínio e planejamento mais complexos e de múltiplos passos, especialmente para resolver problemas que podem ser representados como grafos.

Contexto Multimodal: O próximo grande desafio será projetar um contexto que integre perfeitamente não apenas texto, mas também imagens, áudio e outras modalidades de dados.

Arquiteturas de Próxima Geração: O desenvolvimento de novas arquiteturas de LLM projetadas desde o início para serem mais cientes do contexto e para abordar a assimetria entre compreensão e geração.

À medida que a IA se integra mais profundamente nos processos de negócios e vidas diárias, nossa capacidade de projetar seu contexto será o fator mais importante para determinar seu sucesso e utilidade. O futuro da IA não é apenas sobre modelos mais poderosos, mas sobre sistemas mais inteligentes construídos em torno deles.

A Engenharia de Software e a Engenharia de IA serão mais importantes do que nunca!

Equipe DSA

Inteligência Aumentada com RAG, GraphRAG e Agentic RAG

A Survey of Context Engineering for Large Language Models

The New Skill in AI is Not Prompting, It’s Context Engineering

What is Context Engineering?

Gemini Embedding: Powering RAG and context engineering

Context Engineering – What it is, and techniques to consider