Em Inteligência Artificial (IA), os modelos podem ser divididos em duas categorias fundamentais quanto ao seu comportamento: determinísticos e estocásticos. Esses termos se referem à presença (ou ausência) de aleatoriedade nas respostas geradas. De forma simples e didática: Um modelo determinístico produz sempre o mesmo resultado dadas as mesmas condições, enquanto um modelo estocástico envolve elementos probabilísticos e pode gerar resultados diferentes mesmo sob condições idênticas.

Nesta série de 2 artigos, vamos explorar esses conceitos de forma técnica, com exemplos práticos em negócios. Abordaremos também as limitações dos LLMs (Large Language Models ou Modelos de Linguagem de Grande Escala), que são essencialmente estocásticos, destacando por que sua aleatoriedade inerente pode ser uma barreira à confiabilidade e auditabilidade em contextos críticos. O objetivo é esclarecer a diferença fundamental entre modelos tradicionais de Machine Learning (como regressão logística, redes neurais feedforward, árvores de decisão) e os LLMs, alertando para os riscos de uso indevido destes últimos em aplicações sensíveis.

Um profissional responsável e consciente sempre considera os dois lados da moeda, avaliando vantagens e desvantagens de cada solução técnica.

O Que São Modelos Determinísticos?

Modelos determinísticos são aqueles que não envolvem qualquer sorte de aleatoriedade no seu funcionamento. Dado um certo conjunto de entradas ou condições iniciais, o modelo sempre produzirá exatamente a mesma saída. Em outras palavras, não há variabilidade intrínseca nos resultados, cada execução com os mesmos dados reproduz a mesma previsão ou decisão.

Esses modelos operam com base em relações definidas e regras fixas. Por exemplo, em física clássica é comum usar modelos determinísticos: Se conhecemos as condições iniciais (posição, velocidade) de um projétil, as equações de movimento permitem calcular sua trajetória exata repetidamente, sem surpresa.

Da mesma forma, em Ciência de Dados, se um sistema é bem compreendido e previsível, podemos modelá-lo de forma determinística. Uma árvore de decisão, por exemplo, segue regras lógicas estabelecidas em seus nós; ao receber um novo dado, ela percorre sempre o mesmo caminho de decisões e chega ao mesmo resultado. Redes neurais feedforward (redes neurais tradicionais, sem componentes recorrentes ou aleatórios na inferência) também se comportam de maneira determinística após treinadas: para um dado de entrada fixo, a saída (por exemplo, uma classificação) será sempre a mesma, pois os pesos da rede não mudam a cada inferência. Outro caso é a regressão logística usada para classificação binária, um modelo matemático fixo que, dados determinados atributos de um cliente, sempre calculará a mesma probabilidade de, por exemplo, inadimplência.

Como sabemos se um modelo está funcionando bem? No caso de modelos determinísticos, é comum avaliá-los com métricas de erro ou acurácia bem definidas.

Em problemas de regressão, por exemplo, utiliza-se o Erro Quadrático Médio (Mean Squared Error, MSE) ou sua raiz quadrada (RMSE) para medir a performance. Simplificadamente, o MSE calcula a média dos quadrados das diferenças entre as previsões do modelo e os valores reais observados, ou seja, ele quantifica o quão distante, em média, as predições estão do resultado correto. Valores menores de MSE (ou RMSE) indicam um modelo mais preciso. Modelos determinísticos podem ser treinados minimizando diretamente essas métricas, garantindo que suas previsões se aproximem dos valores esperados. Assim, sabemos exatamente quão bem o modelo está performando e podemos ajustá-lo conforme necessário.

Vantagens dos modelos determinísticos: Sua natureza previsível os torna mais fáceis de testar e depurar. Se houver um erro, reproduzir o cenário e entender o que ocorreu é direto, pois o comportamento não muda de uma execução para outra. Em muitos casos empresariais, essa consistência é essencial para gerar confiança. Além disso, manter um conjunto fixo de regras ou parâmetros tende a facilitar a auditabilidade, pois é possível inspecionar as regras (ou parâmetros) e explicar por que determinada decisão foi tomada. Por exemplo, uma árvore de decisão pode ser explicada passo a passo; uma regressão logística permite analisar os pesos atribuídos a cada variável de entrada (indicando sua influência no resultado). Essa transparência é altamente valorizada em setores regulados.

Limitações dos modelos determinísticos: Por outro lado, modelos determinísticos podem falhar em cenários complexos onde não existe um conjunto de regras claro que cubra todas as variações dos dados. Se o problema envolve relações não-lineares muito complicadas ou fatores desconhecidos, um modelo determinístico rígido pode não capturar bem a realidade. Nesses casos, ele pode ser preciso em condições ideais, mas não robusto quando há mudanças sutis nos dados. A falta de flexibilidade pode ser uma desvantagem quando o sistema não é totalmente compreendido ou quando há grande incerteza envolvida.

Uma analogia didática: Um modelo determinístico se assemelha a uma receita de bolo fixa, ou seja, seguindo-a à risca, você obterá sempre o mesmo bolo. Já um modelo estocástico é como um chef que improvisa e ao usar os mesmos ingredientes básicos, ele pode produzir resultados ligeiramente diferentes a cada preparo, adicionando variabilidade ao resultado.

O Que São Modelos Estocásticos?

Modelos estocásticos são aqueles que incorporam componentes de aleatoriedade ou probabilidade em sua operação. Diferentemente dos determinísticos, eles admitem múltiplos resultados possíveis a partir das mesmas condições iniciais, de acordo com distribuições de probabilidade. Ou seja, cada execução do modelo pode gerar uma saída potencialmente diferente, refletindo alguma incerteza do processo.

Esses modelos reconhecem que fenômenos do mundo real frequentemente têm variabilidade inerente e tentam modelar não apenas um único desfecho, mas um espectro de possíveis desfechos com suas respectivas chances de ocorrer.

Um exemplo simples de modelo estocástico fora do campo de IA é uma simulação de Monte Carlo para projeções financeiras. Se uma empresa quer estimar o lucro futuro, pode modelar diferentes variáveis (crescimento de vendas, taxa de câmbio, etc.) com distribuições de probabilidade e então simular milhares de cenários aleatórios. Cada simulação dará um resultado ligeiramente distinto e talvez a empresa obtenha lucros altos em alguns cenários e baixos em outros. No final, a simulação Monte Carlo produz uma distribuição de possíveis resultados (por exemplo, 70% de chance do lucro anual ficar entre X e Y). Isso é inerentemente estocástico: abraça-se a incerteza ao invés de tentar fornecer uma única previsão. Esse tipo de abordagem oferece uma compreensão mais rica dos riscos e variabilidade envolvidos.

No contexto de Machine Learning, muitos modelos podem incorporar aleatoriedade. Um algoritmo de floresta aleatória (random forest), por exemplo, utiliza aleatoriedade na seleção de subconjuntos de dados e de atributos para construir diversas árvores de decisão diferentes e então faz uma média das previsões, ou seja, o treinamento desse modelo é estocástico. No entanto, note-se que a predição final de um random forest ainda é determinística para um dado modelo treinado (dada uma entrada fixa, as árvores votam e a média/voto majoritário será sempre o mesmo). Assim, é importante distinguir fontes de aleatoriedade no processo de treinamento da aleatoriedade na inferência.

Quando falamos de modelos estocásticos aqui, estamos focando naqueles que produzem saídas não determinísticas na inferência, ou seja, cujo resultado para o usuário pode variar a cada execução. O exemplo mais proeminente de modelo estocástico atualmente são os LLMs (Modelos de Linguagem de Grande Escala). Esses modelos de linguagem são treinados em quantidades massivas de textos e, dados alguns textos de entrada (prompt), geram uma continuação ou resposta palavra por palavra com base em probabilidades. Internamente, o modelo calcula a probabilidade de cada palavra (ou token) ser a próxima na sequência, considerando o que já foi escrito. Entretanto, em vez de sempre escolher a palavra de maior probabilidade (o que tornaria o processo algo determinístico, porém muitas vezes produziria respostas repetitivas ou “engessadas”), os LLMs geralmente escolhem de forma aleatória ponderada pela probabilidade, especialmente quando configurados com um parâmetro de temperatura maior que zero. Isso significa que, ao perguntar duas vezes a um LLM a mesma coisa, ele pode gerar respostas diferentes em conteúdo ou formulacão, apesar de ambas parecerem plausíveis. Essa característica vem da natureza estocástica do processo de geração de linguagem. Inclusive, há quem diga que em sua essência esses modelos atuam como “papagaios estocásticos”, recombinando palavras que já “ouviram” (foram treinados) de acordo com probabilidades, sem garantir a veracidade dos fatos apresentados.

Vantagens dos modelos estocásticos: São indicados quando precisamos lidar com problemas onde a incerteza é parte inerente do fenômeno. Em áreas como finanças (previsão de mercado acionário, avaliações de risco de portfólio) ou epidemiologia (modelagem de surtos de doenças), é mais realista adotar um modelo estocástico que forneça vários cenários possíveis com suas probabilidades. Esses modelos conseguem capturar melhor a variabilidade do mundo real, por exemplo, um modelo estocástico pode indicar “há 5% de chance de um evento raro ocorrer”, informação que um modelo determinístico (que daria só um resultado médio) não revelaria. Além disso, modelos estocásticos, como grandes redes neurais treinadas em muitos dados, tendem a manejar relacionamentos muito complexos e não-lineares entre variáveis, adaptando-se a dados dinâmicos. No caso de LLMs, a natureza estocástica combinada com volumes enormes de dados de treinamento os torna capazes de gerar textos criativos e variados, simulando bem a linguagem humana em diversas situações. Essa flexibilidade é excelente para tarefas como brainstorming, geração de conteúdo original e adaptação a diferentes estilos de linguagem.

Desvantagens dos modelos estocásticos: A principal desvantagem é a imprevisibilidade exata de seus resultados individuais. Cada execução pode dar um resultado ligeiramente distinto, o que dificulta testes e validações tradicionais. Em um modelo estocástico puro, não basta testar um caso uma vez e idealmente seria preciso testá-lo muitas vezes para entender a distribuição de saídas. Além disso, devido à complexidade, muitas vezes esses modelos funcionam como “caixas-pretas”: mesmo quando é possível avaliar estatisticamente seu desempenho médio, é difícil entender por que eles deram uma saída específica em uma execução. Isso prejudica a explicabilidade. Em contextos onde rastrear a lógica de decisão é essencial, modelos estocásticos podem ser inadequados. Com LLMs, por exemplo, sabemos apenas que eles calculam probabilidades de sequência de palavras, mas quando eles produzem uma afirmação errada ou estranha em uma resposta, não há uma regra clara que possamos apontar, pois foi resultado das estatísticas complexas do treinamento e de um “tiro” probabilístico na geração daquela palavra.

Modelos estocásticos abraçam a aleatoriedade para lidar com cenários incertos ou para gerar variações, o que os torna poderosos em muitas aplicações, mas essa mesma aleatoriedade traz desafios de controle e confiabilidade que precisam ser considerados.

Exemplos de Aplicação em Negócios: Determinístico vs. Estocástico

Para ilustrar as diferenças, vejamos como modelos determinísticos e estocásticos são aplicados em contextos de negócios.

Exemplos de aplicações com modelos determinísticos

Classificação de risco de crédito: Instituições financeiras costumam usar modelos determinísticos simples, como regressão logística, para aprovar ou negar crédito. Esses modelos, uma vez treinados em dados históricos de bons e maus pagadores, vão sempre produzir o mesmo score de risco para um cliente com determinados atributos (renda, histórico, endividamento, etc.). Essa consistência é importante para cumprir regulações, pois todos os clientes com perfis iguais devem receber decisões iguais. Além disso, modelos como regressão ou árvores de decisão permitem justificar a decisão (por exemplo, “crédito negado devido à renda insuficiente e alto endividamento”), o que é essencial em auditorias.

Detecção de fraudes com regras fixas: Em sistemas de pagamento, pode-se configurar um modelo determinístico baseado em regras de negócios (ou até uma árvore de decisão ou rede neural simples) para marcar transações suspeitas. Por exemplo, “transação acima de X reais em país diferente do domicílio do cliente, em um curto intervalo de tempo” pode ser uma regra determinística para bloquear automaticamente um pagamento. Se a transação ocorrer de novo com as mesmas características, a mesma regra será acionada. Embora técnicas avançadas de detecção de fraude usem também modelos estocásticos, muitas instituições mantêm um conjunto de regras determinísticas exatamente pela confiança e previsibilidade que proporcionam.

Previsão de demanda com modelos tradicionais: Empresas de varejo frequentemente usam modelos de regressão linear ou árvores de regressão para prever vendas futuras com base em fatores como preço, época do ano e tendências passadas. Tais modelos fornecem uma estimativa pontual (determinística) de demanda para o próximo mês, por exemplo. Essa previsão única pode então ser usada no planejamento de estoque. Em ambientes estáveis, esses métodos funcionam bem e são valorizados por sua simplicidade e facilidade de interpretação. Métricas como erro médio (ex: MSE) são calculadas para avaliar a qualidade dessas previsões e são estáveis de uma execução para outra.

Sistemas de recomendação baseados em regras ou filtros fixos: Alguns sistemas de recomendação (por exemplo, de conteúdo ou produtos) empregam filtros determinísticos e recomendam itens similares a outros que o usuário já consumiu, seguindo critérios fixos de similaridade. Por exemplo, um algoritmo que recomenda filmes do mesmo gênero e diretor daqueles que você assistiu é determinístico. Sempre que dois usuários tiverem exatamente o mesmo histórico, receberão as mesmas recomendações pelo critério definido. Novamente, a justificativa é transparente (“recomendado porque é do mesmo diretor do filme X que você assistiu”).

Exemplos de aplicações com modelos estocásticos

Simulações de risco financeiro: Bancos e seguradoras utilizam simulações estocásticas (Monte Carlo) para estimar perdas em cenários extremos. Por exemplo, para calcular o VaR (Valor em Risco) de uma carteira de investimentos, o modelo gera centenas ou milhares de trajetórias possíveis para os preços dos ativos no futuro (incorporando choques aleatórios). Cada simulação resulta em um lucro ou prejuízo diferente. A partir da distribuição de resultados, obtém-se medidas de risco (“com 95% de confiança, a perda não excederá X milhões”). Esse tipo de aplicação abraça a aleatoriedade para quantificar incertezas de forma robusta. Nenhuma execução isolada da simulação é “a verdade”, mas o conjunto delas oferece insights valiosos sobre possíveis cenários.

Grandes Modelos de Linguagem em assistentes virtuais: Empresas de diversos setores têm integrado LLMs em chatbots e assistentes virtuais para atendimento ao cliente ou suporte interno. Nesses casos, o modelo estocástico de linguagem é útil para interpretar perguntas em linguagem natural e fornecer respostas também em linguagem natural, muitas vezes soando bastante humanas. Por exemplo, um LLM pode ser usado para responder perguntas frequentes de clientes no site de uma empresa. A vantagem é que o assistente consegue lidar com inúmeras formas diferentes de se fazer a mesma pergunta e ainda assim responder de forma coerente. No entanto, cada resposta gerada pode ter variações (não são roteiros predefinidos), o que imprime um tom mais “natural” às conversas. Em tarefas criativas de marketing, LLMs também geram textos únicos a cada execução, sendo úteis para produzir descrições de produto ligeiramente diferentes ou postagens em redes sociais com variações, evitando conteúdo duplicado.

Detecção de anomalias com modelo probabilístico: Em manufatura, pode-se empregar um modelo estocástico que aprenda a distribuição “normal” dos dados de sensores de máquinas e detecte anomalias quando algo foge da tendência. Por exemplo, usando um modelo de mistura de gaussianas ou redes neurais de autoencoder variacional, o sistema modela probabilisticamente as leituras de temperatura e vibração de um equipamento. Se em um dia houver leituras muito improváveis segundo esse modelo, ele acusa uma anomalia (possível falha). Aqui, não há um único limiar fixo; a detecção é baseada em probabilidade estatística, considerando a aleatoriedade dos ruídos nos sensores.

Algoritmos de trading algorítmico com componente aleatório: Embora muitas decisões em finanças sejam determinísticas, alguns algoritmos de trading podem introduzir aleatoriedade para não serem previsíveis no mercado. Por exemplo, um fundo quantitativo pode usar um modelo que decide compras e vendas com base em probabilidades: 70% de chance de comprar ação A e 30% de chance de comprar B, dado um cenário. Isso evita que a estratégia seja facilmente copiada ou arbitrada por concorrentes. A cada dia, o resultado pode ser diferente (às vezes compra A, às vezes B), embora as probabilidades sejam calibradas para, no longo prazo, atingir certo objetivo de retorno. Esse é um caso peculiar em que a aleatoriedade é intencionalmente adicionada para lidar com a dinâmica imprevisível do mercado.

Em resumo, modelos determinísticos tendem a ser aplicados quando se quer consistência e interpretabilidade, em ambientes mais controlados, enquanto modelos estocásticos são escolhidos quando é necessário capturar incertezas, gerar variedade ou lidar com alta complexidade. Muitas soluções de negócio combinam ambos os tipos, por exemplo, um sistema pode rodar simulações estocásticas para análise de risco, mas usar um modelo determinístico para tomar a decisão final baseada em um nível de risco aceitável pré-definido.

Pensando sempre em soluções de negócios, um profissional deve estar apto a escolher a melhor solução técnica para cada cenário.

Continuaremos no artigo com a Parte 2.

Equipe DSA